sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

ENCONTRO EM SAMARRA

ENCONTRO EM SAMARRA
Ferriól Cabanas

Uma atração não precipita acontecimentos com ações planejadas, mas sabe-se que o inevitável sempre acontece, invariavelmente. Como aquele Encontro em Samarra, escrito há mais de mil anos.
Duas pessoas vão se encontrar para um ato de amor. Mas continuarão vivendo seus dramas pessoais, em silêncio, porque não podem contar com a compreensão da sociedade, da igreja, da moral vigente naquela cidade fria do sul de qualquer País.
Professora exemplar de matemática, Ariadne tinha sonhos recorrentes, onde ela sempre aparecia nua para seus alunos enquanto dava aulas enquanto dava aula, quando preparava uma atividade qualquer ou mesmo quando contava histórias de fadas, exibia suas formas perfeitas. Em outro sonho, que está num clube e tira toda a roupa para entrar na piscina. Em outro ainda, que voa no ar, fazendo piruetas. Notável observar que, para ela, tanto em sonho, quanto fora dele, a nudez é muito natural e para todos os que lhe estavam próximos.
Esses sonhos se tornavam cada vez mais presentes no seu imaginário emocional, na mesma medida em que seu casamento se desfazia, uma ligação onde se sentia prisioneira de um marido ausente e insensato: deixar uma esposa cada vez mais abandonada num Chat de bate-papo na Internet, o seu refúgio mais constante e, paradoxalmente, cansativo, repetitivo, vazio. Ela queria apenas conversar com alguém que preenchesse, só um pouquinho, a sua cela gradeada pela mesmice mundana. Que mudasse o cenário de sua visão, que a livrasse da síndrome da pantera de Rilke.
Mas daquela vez ela acessou o Chat com um pré-sentimento. E assim ela vê seu nick-name aparecer na tela azul do computador:
13:09: 26 Camaleoa entra na sala:
13:12: 19 Winner entra em sua vida.
Sentiu um arrepio percorrendo as paredes desconhecidas de seu ser incompleto. A conversa foi evoluindo, envolvendo-a como se Ariadne já fizesse parte do contexto daquele homem, há muito tempo: “Nossa, o cara tem personalidade, é culto, inteligente, com um quê de sábio e filósofo... pensou ela. Percebeu que ele não falaria em sexo até que ela colocasse o assunto na roda da vida que eles iniciaram naquele breve interstício de tempo virtual”.
A sorte estava lançada. Como disse Khalil Gibran: “O amor não tem outro desejo senão consumar-se”. E assim começou a ser embora nenhum dos dois soubesse o que o destino inevitável já havia preparado para eles. Como duas personagens, começaram a escrever sua própria história.
Salouste, um homem maduro, viajado, estudado, vivido, com experiência internacional, escritor, poeta, tradutor, de negócios. Também entrava na Internet, em busca de uma mulher interessante, mesmo sabendo que isso seria raro de acontecer. Mas mesmo assim, tentava sempre. E quando ele viu aquele nick-name Camaleoa, logo percebeu que era um ser que adotava o caráter segundo seu interesse mais sincero. Mal sabendo que esse contato fortuito e improvável de uma sala de bate-papo virtual o levaria a viver a mais intensa e profunda experiência de sua vida.
A conversação fluiu corriqueiramente no início, mas aos poucos os levou ao ponto de não perceberem mais onde estavam e nem de como haviam se encontrado. Pareciam conhecidos de longa data. Uma química, uma cumplicidade, uma interlocução se instalou entre os dois. Eles jamais poderiam sequer imaginar onde esse encontro os levaria. Ao nada absoluto das coisas. Apenas ao que vieram. Mas não sabiam.

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