quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

PRIMEIRA VEZ

PRIMEIRA VEZ

Ferriól Cabanas

Hoje me peguei pensando nas coisas importantes que já aconteceram:
O primeiro brinquedo inesquecível, o primeiro dia de aula, a primeira comunhão, o primeiro beijo, a primeira viagem, a primeira noite de amor, o primeiro poema, a imensidão do mar, o primeiro vôo, a formatura, o primeiro mergulho no desconhecido: a complexidade da existência.
A sensação do primeiro encontro com você faz renascer todas essas emoções. Porque sempre vamos estar atentos às situações essenciais e importantes de nossas vidas.
Tenho me preparado para começar uma nova vida, individualmente e também para viver com uma mulher, partner imprescindível para toda conquista humana. Diferente de outros tempos, hoje é possível imaginar, desenhar e lapidar um futuro melhor, pois a gente já tem noção da caminhada.
É por isso que consigo imaginar você em minha vida, em todas as suas nuances. A cumplicidade, os projetos pensado a dois, o sentimento se instalando, a confiança crescendo, a intimidade, a lealdade compartilhada, a fidelidade delicada, o orgasmo arrebatador, o silêncio denso do depois, o aconchego, a comidinha feita a dois, as coisas simples de um domingo familiar ao redor de uma mesa, de uma churrasqueira. Como é bom sonhar com tudo isso, sabendo que um dia desse vai ser real.
É assim que eu imagino você em minha vida.
Para isso venho me preparando. Sem que você jamais imaginasse tantos detalhes.
A maturidade traz um pouco mais de certezas, já sabemos que não temos muito mais tempo para errar. Isso nos assegura uma possibilidade maior de ser feliz de modo mais estável, pois o valor da continuidade tem o gosto de construir uma história que será revivida outra vez. Lá na velhice. Depois será fácil ficar na janela contemplando o mar ou o pôr do sol, sem precisar emitir nenhuma palavra, porque cada um saberá em que o outro está pensando, o que está sentindo.
Sei que tenho muitos defeitos, mas partir dos erros do passado, meus e de todas as pessoas que fizeram e fazem parte da minha constelação afetiva e da minha memória emocional. A partir disso venho construindo uma plataforma para lançar-me como ser humano mais integral, melhor, mais flexível, aprendiz mais acurado.
Mas mesmo assim hoje estou com o suor das mãos daqueles bandeirantes que ingressaram nas matas deste País gigante, com a mesma palpitação e intuição de que nele há pedra preciosa. Estou hoje com o brilho dos olhos daquele astronauta que se preparou a vida inteira para o vôo além das estrelas, como Américo Vespúcio na véspera de colocar os pés numa nova terra, como Santos Dumont se sentiu na hora precisa que antecipava seu primeiro vôo no 14 Bis. E também como o menino que vê o mar pela primeira vez.
Sei que a maioria das pessoas não se prepara para uma nova vida, uma vida a dois, com a clara consciência, com a visão e a missão de realmente acertar. Mas tenho certeza de que você, sim, está me compreendendo, porque envolve a sua vida também.
É assustador?! Sim. Mas é mais assustador não viver, não se preparar para viver o maior amor de uma vida. É mais fácil viver mornamente, ao sabor do vento de paixões descartáveis e voláteis. É fácil se acomodar num casamento, numa relação padronizada. É só não exigir muito um do outro e fingir um pouco todo dia e entrar na rotina. É só não crescer, não buscar a excelência, a reciclagem, a inauguração diária de recomeçar.
Há uma confusão a respeito do amor. A grande parte dos amantes o confunde com a paixão, que vem do francês, poison=poção. As pessoas “ingerem” essa poção e entram em estado de excitação espiritual, emocional, psíquica e químico-física. Quando acaba seu efeito sobrevém a frustração. E um fica olhando o outro com a sensação de “que estou fazendo aqui?” E saem, cada um para seu lado, buscando “uma nova paixão”. E assim, sucessivamente. Por isso se vê constantemente no dia-a-dia quando uma mulher que diz: “Não estou suficientemente apaixonada por ele a ponto de me casar”, mal sabendo que o amor já poderia ter se instalado em seu coração. Digo a mulher porque ela está mais avançada emocionalmente do que o homem, a maioria dos homens ainda é um adolescente para as coisas do amor verdadeiro e grandioso e sua maior confusão sempre vai para a cama. E quanto mais variedade tem, mais confusão gera no seu entorno. A mulher se prepara a vida inteira para o amor. E ela, muito mais do que homem está preparada e disposta a viver somente um amor. Sem cruzar químicas e alquimias.
O amor é sereno, o amor não é do outro, é privilégio, é algo que se compartilha, que se interage com o outro. Cada um tem o seu e é na sua soma que ele engrandece nossa existência, enquanto indivíduos e enquanto casal, não importando o status, podendo ser namorados, noivos, amantes, marido e mulher. O amor não é algo escandaloso, embora nos dias de hoje amar competentemente tornou-se raridade. Porque o nível de traição existente nos dias atuais virou coisa natural e ninguém mais vê como escândalo, já é cultural, como se fosse coisa prática, inofensiva e inodora.
Todo mundo quer viver um grande amor. Mas muito poucos são os que se preparam para isso. Não aproveitam o ato incidental de encontrar a pessoa da sua vida porque cada dois se encontra da melhor maneira, da mais singela até a mais esdrúxula, como foi o encontro de Salvador Dalí e sua Galina, a imortal Gala.
A história registra somente os amores notáveis e célebres, mas um grande amor também pode acontecer pelas teclas de um computador, porque o amor não é causal, mas a causa de tudo o que pode sobrevir depois. Amor é sentimento, por isso não importa como ele vem, como surge, mas como se instala, como é construído. A Internet é apenas mais uma possibilidade, igualzinho o amor de duas pessoas que moram na mesma rua. Um dia se olham diferentemente. Pronto! Vive l´amour!
Por outro lado é muita responsabilidade. Lógico e elementar. Ninguém tem consciência disso: de encontrar e construir o grande amor de sua vida. Mas se as pessoas prestassem um pouco de atenção para o que acontece consigo mesmas, talvez houvesse muito mais gente se amando verdadeiramente, com mais respeito, veneração e conseqüentemente, com mais realização, em todos os sentidos de suas vidas.
Platão afirmou que a última palavra de Sócrates foi “galo”. Na época achavam que era por causa de sua ética ímpar, que até o último suspiro preocupou-se em pagar alguma dívida, pois galo era uma moeda de sua época. Mas estudos mais recentes apontam que na verdade ele quis dizer que o galo anuncia um novo dia, uma nova alvorada, um novo tempo. Na verdade ele estava anunciando uma mudança radical no modo de pensar do ser humano.
Quem sabe se a vida não nos presenteou com um novo galo também. No alvorecer de um novo ano. Uma nova vida.
Sei como você sente. Compreendo você. Estamos plugados um no outro neste momento, nessa excitação sentimental diante de um iminente encontro, ainda que seja sentido só pelos dedos, mas a gente sabe que pode ser um ato histórico, evento único e de duração inimaginável.
Pode ser que não seja o esperado. Que não seja o grande amor. Mas não terá sido em vão. Pois é nesse exercício de se preparar, de tentar, de buscar, de sermos honestos afetivamente, primeiro conosco mesmo e depois com o outro é que estaremos avançando em direção de sermos melhores a cada dia. Com a certeza de que estamos mais próximos e que somos possíveis de uma felicidade que a maioria não viverá jamais.
É do risco da possibilidade de amar grandiosamente que podemos realizar isso com paixão.
Como missão.

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